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Trabalho vencedor - Ensino Secundário

Diário de um agricultor

23 de fevereiro de 2002

Nunca pensaste que a vida é muito monótona? Que não passa de um ciclo que se repete apenas vezes e vezes sem conta sem que haja qualquer afinidade ou propósito para tal? Pois… eu penso assim, que a vida não passa de um vazio amargo de dor e sofrimento a que estamos sujeitos.

Mas quem sou eu para falar? Apenas estou aqui a escrever palavras soltas sobre uma simples folha de papel de um caderno que comprei. O meu nome… Libânio, Libânio Gonçalves.

Moro numa casa simples com os meus filhos e a minha mulher. À frente deles sou o homem forte, seguro e que é muitas vezes o seu abrigo sem que eles saibam ou se apercebam do meu abismo interior.

Tirando esta minha dor infernal e insuportável, penso que conheço tudo o que há para conhecer, que não irei ter mais surpresas nem que serei espantado por algo irreal.

Embora hoje tenha ouvido alguns sussurros um tanto ou quanto estranhos. Boatos de pessoas que juram a pés juntos terem observado alguns lobos por entre as matas da floresta. Pessoalmente, não acredito nisto porque afinal nesta região nunca tinha havido lobos ou qualquer tipo de animal selvagem.

2 de março de 2002

O número de pessoas a jurar que avistaram criaturas vai aumentando e não é só com ele, também estão a começar a surgir desaparecimentos. No café principal da minha aldeia a parede enche-se de rostos sorridentes com pessoas perdidas e números de telefone, enquanto os restantes choram sem descanso sobre as mesas redondas.

Eu e a minha família continuamos a agir normalmente. Somos agricultores e não é por um bando de animais que devemos parar de trabalhar. É com o trabalho afinal que a comida vai parar dentro do prato.

Afinal, embora haja alguma coisa suspeita aqui, os relatos desta vez falam em vultos estranhos, negros e velozes. Bastante diferentes dos de animais com que fui enxurrado semana passada. Mas que animal poderá ser este?

9 de março de 2002

Fui assaltado. As minhas terras foram devastadas e os meus campos destruídos.

A minha mulher lamenta-se pela perda e os meus filhos tentam lavrar e semear o único pequeno cubículo que ainda resta fértil.

Com os meus próprios olhos fui inspecionar o local. Tinha pegadas de patas de cão e pela profundidade parece ser de um cão grande e forte, como um lobo. Mas ao lado, pegadas de pés. Sapatos, mais especificamente. Como se alguém tivesse destruído o meu sustento por apenas diversão. Um estranho e fino rasto do que parece ser sangue seco encontra-se ao lado deste rasto.

No café central da aldeia, a parede de desaparecidos cada vez mais aumentava. Os sorrisos vazios e falsos enchiam aqueles cartazes e aquele espaço de tanta angústia fez com que a pouco e pouco o café fosse ficando vazio, nem uma única alma se via ali.

Preparo-me agora para ir caçar. Recuso deixar a minha família à mercê daquele animal. Já tenho as minhas armas e mantimentos prontos. Partirei esta noite e recuso-me a voltar de mãos vazias.

13 de março de 2002

Já faz 4 dias que andamos. Chamei alguns amigos para me ajudarem e pedi aos meus filhos que protegessem as minhas terras e mulher. A noite está fria e cai sobre nós como um manto negro e assombroso. A nossa busca infinita não tem dado frutos e estamos a pensar em desistir.


Subitamente, por entre as sombras tenebrosas das árvores, eu e os meus comparsas ouvimos aquilo que parecia ser do género de uma luta.

Levantei-me e tentei pé ante pé aproximar-me. Joaquim, um dos meus amigos, decidiu vir comigo e ambos seguimos, com almas perdidas, atrás daquele som.

Um homem estranho com ar frio, pele pálida e com aquilo que pareciam uns dentes afiados estava a lutar com um lobo. O lobo era grande, pelo cinzento e tinha uma estrutura bastante forte. Num só golpe, o lobo atirou-se para cima do homem, mas este defendeu-se, fazendo o lobo voar e cair em cima de Joaquim.

Joaquim desmaiou com a queda. O lobo, ao aperceber-se do sucedido, levantou-se bruscamente e seguiu em direção à mata. Virei-me de frente e vi o rosto do homem bem à minha frente.

20 de março de 2002

Ainda não compreendi o que aconteceu na floresta naquela noite. Segundo a minha mulher, apenas hoje acordei, após uma semana em que estive adormecido. Disse-me que a D. Márcia, a dona do café central, me tinha encontrado na floresta sozinho e me trazido para casa.

Penso que talvez aquilo que supostamente vi não aconteceu e decidi ir ter com os meus amigos. Estava descontraído no café, a mesa estava cheia de cervejas e todos tínhamos um espírito animado e de festa.

Joaquim entrou pela porta com uma ligadura ao peito. D. Márcia ajudou-o a sentar-se. Com receio, perguntei-lhe o que tinha acontecido e a resposta deixou-me inquieto. Joaquim afirmou que ficou assim na noite da floresta, na noite da luta.

Pensava que tudo não passava de um sonho, de uma fantasia que tinha criado por ter talvez batido com a cabeça, mas será que foi tudo real? Será que aquilo, aquele cenário de animais ferozes, tinha mesmo acontecido?

E que estranho objeto trouxe o Joaquim na mão?

Daniel Filipe Ramos Gonçalves, 12ºB
Agrupamento de Escolas de Sertã - Sertã

 

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